O TEATRO REDENÇÃO deveria ser o
símbolo da LUTA PELA IGUALDADE
RACIAL, PELA VALORIZAÇÃO DA CULTURA AFRICANA e que família AVELAR deveria
ter um espaço de honra nesta casa.
Uma homenagem mais que justa. Leiam o texto e
entendam o porquê.
O TEATRO REDENÇÃO
Escrito por João Alcides de
Avelar em 1954
La pelo último quartel do século passado,
vários anos antes do áureo 13 de maio
de 1888, verificou-se, em Sete Lagoas, uma ocorrência que não pode ficar
esquecida pelos que prezam os sublimes sentimentos de compaixão em prol de
humildes sofredores.
Naquela época, um pugilo de
abolicionistas lutava denodadamente para vencer as resistências opostas à
emancipação dos escravos pelas classes conservadoras, com forte apoio dos
senhores de engenho e dos fazendeiros de café.
A “Terra do lagos e luz, de céu
azul e campinas”, bem pequena, talvez não fosse a décima parte do que é hoje.
Meu saudoso pai, O Dr. João
Antônio de Avelar (esposo da D. Chiquinha Avelar), que tomou parte saliente na
ocorrência, era então estudante de medicina em férias em sua terra natal.
Em um desses dias de sol, que dão
as nossas tranquilas e poéticas lagoas reflexo de espelhos de cristal, passeava
ele pela rua Silva jardim (atual Monsenhor Messias). Ao passar em frente a um
terreno vago, não longe da esquina em que anos anteriores funcionava a farmácia
de mestre Juca, ouviu gemidos de uma pobre escrava que, exposta à venda por
desalmado tanganhão (traficante de escravos), estava ameaçada de ser separada
do seu filho, vendidos a senhores diferentes, residentes em localidades
diversas. Aproximou-se do sinistro vendedor e sopitando, a custo, sua
indignação pelo repelente tráfico, inteirou-se comovido dos lamentos da pobre
mãe preta. Indagou do preço que o mercador exigia pela venda da pobre escrava e
lembrou-lhe que pela lei do VENTRE LIVRE, o filho não podia ser vendido e
separado de sua mãe. Sabedor do preço, aliás não pequeno, assumiu com ele o
compromisso de comprá-la e de levar-lhe o dinheiro dentro de vinte quatro
horas. Dali saiu a procurar meu avô, O Coronel João Antônio, e, com ele e alguns
amigos e parentes, obteve a importância necessária à compra da escrava mãe. No
dia seguinte realizava-se a compra, o Tanganhão recebia o preço da venda e no
mesmo local, na presença de vários setelagoanos, a mãe preta recebia das mãos
de meu pai sua CARTA DE ALFORRIA, sendo encaminhada, como empregada, a
humanitária família dos Avelar.
Passaram-se anos após à
ocorrência, o generoso estudante de medicina conseguiu sua formatura,
constituíra família, viera a ABOLIÇÃO e a PROCLAMAÇÃO DE REPÚBLICA. Como um dos
deputados mineiros, assinara a constituição de 24 de fevereiro de 1891 e fôra
eleito senador estadual, sendo influente político em Sete lagoas, que
idolatrava.
No mesmo lugar da comovente
libertação, construíra-se um teatro, imponente para pequenina cidade de então, com
dois pavimentos de camarotes laterais, em cujo palco, meninote com pretensões a
rapazinho, em um grupo de pequenos amadores tive oportunidade de tomar parte na
representação de comedias, revistas e dramas.
É com imensa saudade que relembro
aqueles belos tempos da vida da minha querida cidade...
Construído o teatro, pediram a
meu pai, então Agente Executivo ou Presidente da Câmara Municipal, que escolhesse
um nome.
Marcou-se o dia de sua
inauguração. E nesse dia, que foi um dos mais memoráveis daquela época,
regorgitava o edifício festivamente engalanado, dos mais representativos
elementos de Sete Lagoas e de visitantes das cidades vizinhas.
O pano de cobertura do palco era
uma bela vista da Lagoa Paulino, como o estreito aterro e o parapeito de
madeira de então com pequenas e afastadas casinhas, escondida algumas entre as
árvores dos quintais que a circundavam. Primorosa tela do Grande pintor Fernandino
Junior.
Lá se achava ele empunhando a
batuta de maestro da banda de música Irmão Fernandino, colaborando, como bom
setelagoano para maior brilho da solenidade.
Na hora da inauguração, levantado
o pano de boca do cenário, meu pai que se encontrava no palco em torno de uma
mesa, aldeado de autoridades e vereadores da Câmara Municipal, levantou-se, no
que foi acompanhado por toda a assistência. Em discurso, visivelmente comovido,
referiu-se à solenidade e, ao terminar, relembrando a libertação da escrava mãe,
naquele mesmo lugar, explicou que, em lembrança da ocorrência, ficara resolvido
se chamasse aquela casa de diversões de TEATRO REDENÇÃO, que, por entre estrepitosos
aplausos, declarou inaugurado.
Rompeu em seguida o hino
nacional, magistralmente tocado pela banda dos Irmãos Fernandino.
Muitos discursos se fizeram ouvir
e no palco houve uma representação teatral.
Hoje em dia, em minha terra, quarenta
anos após a morte do meu pranteado pai, poucos são os que sabem de que lá houve
um teatro Redenção.
A maioria dos setelagoanos
ignoram que ele foi modificado para se transformar no atual prédio da
Prefeitura Municipal, - assim como ignora que o grande edifício de dois andares
que ficava próximo a igreja da Matriz de Santo Antônio, em que funcionava a Cadeia
Pública, o júri, a Câmara Municipal e a Biblioteca Pública, foi também
demolido.
Nessa Cadeia Pública, em
segurança considerada a quarta do Estado de Minas, pelas suas largas paredes de
pedra, em sua parte superior, quantas sessões cívicas memoráveis foram
realizadas, quantas palestras literárias, quantos julgamentos impressionantes e
quantas sessões tumultuosas de câmara, e até eleições nela tiveram lugar!
Com o desaparecimento do Teatro
Redenção para se tornar Prefeitura e como a demolição da Câmara, Júri e Cadeia
Pública, fundo golpe foi desferido nas tradições de Sete Lagoas.
Como setelagoano, sinceramente o
deploro, sem acusar a ninguém, por que precisamos de cultuar os bons exemplos
do passado, como poderoso estímulo para uma marcha vitoriosa em direção a um
radioso porvir.
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