quinta-feira, 30 de novembro de 2017

TEATRO REDENÇÃO


O TEATRO REDENÇÃO deveria ser o símbolo da LUTA PELA IGUALDADE RACIAL, PELA VALORIZAÇÃO DA CULTURA AFRICANA e que família AVELAR deveria ter um espaço de honra nesta casa.
Uma homenagem mais que justa. Leiam o texto e entendam o porquê.

O TEATRO REDENÇÃO
Escrito por João Alcides de Avelar em 1954

La pelo último quartel do século passado, vários   anos antes do áureo 13 de maio de 1888, verificou-se, em Sete Lagoas, uma ocorrência que não pode ficar esquecida pelos que prezam os sublimes sentimentos de compaixão em prol de humildes sofredores.
Naquela época, um pugilo de abolicionistas lutava denodadamente para vencer as resistências opostas à emancipação dos escravos pelas classes conservadoras, com forte apoio dos senhores de engenho e dos fazendeiros de café.
A “Terra do lagos e luz, de céu azul e campinas”, bem pequena, talvez não fosse a décima parte do que é hoje.
Meu saudoso pai, O Dr. João Antônio de Avelar (esposo da D. Chiquinha Avelar), que tomou parte saliente na ocorrência, era então estudante de medicina em férias em sua terra natal.
Em um desses dias de sol, que dão as nossas tranquilas e poéticas lagoas reflexo de espelhos de cristal, passeava ele pela rua Silva jardim (atual Monsenhor Messias). Ao passar em frente a um terreno vago, não longe da esquina em que anos anteriores funcionava a farmácia de mestre Juca, ouviu gemidos de uma pobre escrava que, exposta à venda por desalmado tanganhão (traficante de escravos), estava ameaçada de ser separada do seu filho, vendidos a senhores diferentes, residentes em localidades diversas. Aproximou-se do sinistro vendedor e sopitando, a custo, sua indignação pelo repelente tráfico, inteirou-se comovido dos lamentos da pobre mãe preta. Indagou do preço que o mercador exigia pela venda da pobre escrava e lembrou-lhe que pela lei do VENTRE LIVRE, o filho não podia ser vendido e separado de sua mãe. Sabedor do preço, aliás não pequeno, assumiu com ele o compromisso de comprá-la e de levar-lhe o dinheiro dentro de vinte quatro horas. Dali saiu a procurar meu avô, O Coronel João Antônio, e, com ele e alguns amigos e parentes, obteve a importância necessária à compra da escrava mãe. No dia seguinte realizava-se a compra, o Tanganhão recebia o preço da venda e no mesmo local, na presença de vários setelagoanos, a mãe preta recebia das mãos de meu pai sua CARTA DE ALFORRIA, sendo encaminhada, como empregada, a humanitária família dos Avelar.
Passaram-se anos após à ocorrência, o generoso estudante de medicina conseguiu sua formatura, constituíra família, viera a ABOLIÇÃO e a PROCLAMAÇÃO DE REPÚBLICA. Como um dos deputados mineiros, assinara a constituição de 24 de fevereiro de 1891 e fôra eleito senador estadual, sendo influente político em Sete lagoas, que idolatrava.
No mesmo lugar da comovente libertação, construíra-se um teatro, imponente para pequenina cidade de então, com dois pavimentos de camarotes laterais, em cujo palco, meninote com pretensões a rapazinho, em um grupo de pequenos amadores tive oportunidade de tomar parte na representação de comedias, revistas e dramas.
É com imensa saudade que relembro aqueles belos tempos da vida da minha querida cidade...
Construído o teatro, pediram a meu pai, então Agente Executivo ou Presidente da Câmara Municipal, que escolhesse um nome.
Marcou-se o dia de sua inauguração. E nesse dia, que foi um dos mais memoráveis daquela época, regorgitava o edifício festivamente engalanado, dos mais representativos elementos de Sete Lagoas e de visitantes das cidades vizinhas.
O pano de cobertura do palco era uma bela vista da Lagoa Paulino, como o estreito aterro e o parapeito de madeira de então com pequenas e afastadas casinhas, escondida algumas entre as árvores dos quintais que a circundavam. Primorosa tela do Grande pintor Fernandino Junior.
Lá se achava ele empunhando a batuta de maestro da banda de música Irmão Fernandino, colaborando, como bom setelagoano para maior brilho da solenidade.
Na hora da inauguração, levantado o pano de boca do cenário, meu pai que se encontrava no palco em torno de uma mesa, aldeado de autoridades e vereadores da Câmara Municipal, levantou-se, no que foi acompanhado por toda a assistência. Em discurso, visivelmente comovido, referiu-se à solenidade e, ao terminar, relembrando a libertação da escrava mãe, naquele mesmo lugar, explicou que, em lembrança da ocorrência, ficara resolvido se chamasse aquela casa de diversões de TEATRO REDENÇÃO, que, por entre estrepitosos aplausos, declarou inaugurado.
Rompeu em seguida o hino nacional, magistralmente tocado pela banda dos Irmãos Fernandino.
Muitos discursos se fizeram ouvir e no palco houve uma representação teatral.
Hoje em dia, em minha terra, quarenta anos após a morte do meu pranteado pai, poucos são os que sabem de que lá houve um teatro Redenção.
A maioria dos setelagoanos ignoram que ele foi modificado para se transformar no atual prédio da Prefeitura Municipal, - assim como ignora que o grande edifício de dois andares que ficava próximo a igreja da Matriz de Santo Antônio, em que funcionava a Cadeia Pública, o júri, a Câmara Municipal e a Biblioteca Pública, foi também demolido.
Nessa Cadeia Pública, em segurança considerada a quarta do Estado de Minas, pelas suas largas paredes de pedra, em sua parte superior, quantas sessões cívicas memoráveis foram realizadas, quantas palestras literárias, quantos julgamentos impressionantes e quantas sessões tumultuosas de câmara, e até eleições nela tiveram lugar!
Com o desaparecimento do Teatro Redenção para se tornar Prefeitura e como a demolição da Câmara, Júri e Cadeia Pública, fundo golpe foi desferido nas tradições de Sete Lagoas.
Como setelagoano, sinceramente o deploro, sem acusar a ninguém, por que precisamos de cultuar os bons exemplos do passado, como poderoso estímulo para uma marcha vitoriosa em direção a um radioso porvir.




Nenhum comentário:

Postar um comentário